Vontade de
potência
Hélio Schwartsman
30/01/2013 - 03h30- Folha de São Paulo
SÃO PAULO - Eu concordo com quase
tudo o que o Drauzio Varella diz. Quase. A defesa apaixonada que ele fez da
internação involuntária para dependentes de droga talvez se justifique como
discurso de um pai desesperado ou de um médico aflito por não ter como ajudar o
paciente, mas deixa de levar em conta alguns elementos importantes.
No
afã de tomar uma atitude, Drauzio passa como um trator por cima de dúvidas
pertinentes como a eficácia do tratamento compulsório --que tende a ser ainda
menor do que as já modestas taxas de sucesso das internações voluntárias-- e a
carência de vagas no sistema.
Raciocinando
por hipótese, já que não existem dados confiáveis, se a chance de livrar-se da
dependência é mínima e o tratamento é física e psicologicamente penoso, não
podemos nem mesmo afirmar que a recusa é uma decisão irracional. Se vale a
analogia com o câncer, quando o prognóstico da doença é muito ruim, alguns
pacientes optam, talvez sabiamente, por evitar os efeitos adversos de uma
quimioterapia.
E
será que faz sentido usar uma vaga com alguém que não a deseja quando existem
muitos dependentes menos graves que buscam desesperadamente um lugar para
internação e não o conseguem? Qual a política pública mais correta?
Não
chego a afirmar que a internação à revelia seja sempre indesejável, mas me
parece claro que não pode ser usada como panaceia. Não dá para sair jogando as
pessoas em hospitais e clínicas e depois corrigir os exageros, como quer o
Drauzio.
A
humanidade levou sete milênios para desenvolver mecanismos legais que protegem
o cidadão do arbítrio do Estado. A lei nº 10.216, que prevê a internação
involuntária, põe esse esforço por água abaixo ao permitir que uma pessoa seja
privada de sua liberdade por tempo indefinido sem direito a defensor ou mesmo
juiz. Precisamos, no mínimo, reescrever essa monstruosidade jurídica.
Hélio Schwartsman é bacharel em filosofia, publicou "Aquilae Titicans - O
Segredo de Avicena - Uma Aventura no Afeganistão" em 2001. Escreve na
versão impressa da Página A2 às terças, quartas, sextas, sábados e domingos e
às quintas no site.